26/06/2010

RESENHA DE BAIXA FIDELIDADE

por RG Torremolinos - Resisti aos compactos de dois jogos da Copa só para rever aquele filme. Aguentei o histrionismo do Tiago Leifert no Central da Copa e revi, ontem, no Intercine, a cena que abaixo descrevo em itálico.

Homem trintão e uma jovem a procura da prateleira onde se guardam os discos de soul, Você tem soul?, ela pergunta, Não, acho que não, ele responde atrás do balcão da loja, Não, acho que não tenho soul, soul, o leitor compreende?, nada menos que alma no idioma do Mr. Fisk! O homem é John Cusack e o filme, Alta Fidelidade (2000), baseado no romance homônimo de Nick Hornby.

Quando assisti ao filme pela primeira vez, não curti tanto como na segunda e na terceira. Em primeiro lugar, levei um susto danado porque a história não se passa em Londres, como no livro, mas em Chicago; uma heresia! O mesmo que roteirizar o Crime do Padre Amaro e colocar a história no interior do México sobrancelhudo da Frida Kahlo! Eça de Queiroz e os freis comunistas de Tenochtitlán?! Se bem que, pensando bem, a Ana Claudia Talancón paga um peitinho delicioso para Gael García Bernal (Che!). Sim, sim, e foi isso mesmo que acabaram fazendo com o maior clássico da fornicação apostólica romana de todos os tempos. Uma heresia!

O romance de Nick Hornby é um achado de Nick Hornby. É original pelo fato de que consegue tratar de um personagem emocional e fisicamente “musical” sendo um romance. Em outras palavras: muitos efeitos, poucos recursos. Literatura de qualidade. Cinema congelado na celulose.

Eu tinha certeza de que daria um bom filme. Sem a trilha sonora, o trintão abandonado pela mulher atual, que vive uma revisão amorosa embalada por tudo quanto é música boa dos 1960, 70 e 80, sai da prosa e vem cantar em nossos ouvidos! E é melhor ainda se a memória musical e afetiva do leitor coincidir com a dele! Por essas e outras, então, imaginei que o filme seria bom; é bom, depois admiti. Ontem, admiti. Venci a paúra da primeira vez! O preconceito me dominou na primeira vez por causa da locação norteamericana e, também, de alguns personagens que no filme aparecem com nomes diferentes. Coisa pouca. Eu já superei.

Hoje de manhã (sábado 26 de junho de 2010), fui tomar uma cerveja no Estátua de Sal; tinha jogo estrangeiro no aparelho de LCD Full HD e o caralho a quatro que instalaram no recinto.

Estava delicioso ficar na calçada e longe dos cretinos. Pedi uma latinha de Skol. Havia o mormaço iluminado sobre as minhas pernas e a minha cabecinha que não parava de pensar em todas as coisas boas das manhãs de sábado.

Antes do Malcheiroso trazer a latinha, coloquei a mão no bolso e tirei a folha onde metade desta resenha sem futuro estava impressa. Reli. A cerveja chegou. Tinha escrito até a palavra “heresia”, logo acima, e nem sei como consegui continuar depois do que aconteceu comigo.

“Olê, lê! Olê, lê! Olá, lá! Gol! Goooool! Brasil! Brasil! Brasil!”

No mesmo instante, todos os idiotas vieram ver e ouvir a minha lata “cantar”, toda suadinha, em cima da mesa.

“Porcaria de lata cantante!”

Atravessei a rua. Fui direto para casa cheio de um terror visceral. Tremia. Precisei de umas cápsulas de passiflora e pedi para que mamãe me abanasse muito com ramos de Santa Bárbara.

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